Os Doze
O número doze está presente em diversas passagens bíblicas e naturalmente nos indagamos a respeito do seu significado simbólico.
A terra de Canaã, por exemplo, foi plenamente ocupada e partilhada por Israel, através da sua organização em justamente 12 tribos. E a partir disso, os levitas foram separados para servir no templo (Dt 18:1-8) e os judeus para ser ascendência de Jesus (Gn 49:8-12).
Nota-se a relação do número doze com a maneira ampla através da qual Deus governou o seu povo na terra (Dt 7:7-9) sob a antiga aliança antes de Cristo (Hb 9:15), além de ser um símbolo de completude e suficiência (1 Rs 4:26 ACF; Mt 14:20; Mt 26:53; Lc 2:42-46).
Através de seu sacrifício na cruz, Jesus manifestou a nova aliança de Deus com o homem (Lc 22:40), que agora contempla não só judeus, mas também os não judeus, formando a partir de ambos a Igreja de Cristo (Mt 16:18; Ef 2:13-18).
Para que isso fosse materializado, Jesus escolheu e chamou então 12 discípulos para si - que após sua morte e ressurreição se tornariam apóstolos - para serem usados por ele como cooperadores de Deus no trabalho de edificação da sua Igreja (1 Co 3:9; Ef 2:20).
Por isso, Cristo os incumbiu de fazerem discípulos (At 1:2; Mt 28:19), isto é, descendentes na fé (1 Tm 1:2), da mesma forma que os 12 patriarcas das tribos de Israel tinham os prosélitos (não judeus convertidos ao judaísmo) com base na lei de Moisés (Dt 11:19; Sl 78:5).
Analogamente às 12 tribos de Israel notamos nos 12 discípulos a forma do governo completo, amplo e suficiente de Deus sobre o seu povo. É maneira pela qual são distribuídas responsabilidades, propósitos etc. entre nós.
Mas afinal de contas quem são aqueles chamados de apóstolos em At 1:2? Podemos afirmar que apóstolos e "os Doze" são sinônimos? Como devemos tratar Paulo nesse contexto? Existem outros além desses?
Antes de mais nada vemos que é o próprio Cristo que define alguns para serem apóstolos:
"E a cada um de nós foi concedida a graça, conforme a medida repartida por Cristo (...). E ele designou alguns para apóstolos (...)"
Efésios 4:11a
O início dessa designação, se deu quando Jesus chamou seus primeiros discípulos: "os Doze" (Mt 10:1-4), ao qual foram listados nominalmente, um a um. Entre eles estava Judas Iscariotes que o traiu e mais tarde substituído por Matias (At 1:26), ficando com "Onze" por um tempo.
Jesus também fez muitos outros discípulos que não foram contados entre os "Doze" (Lc 10:17; Jo 6:66-67; At 1:15; 1 Co 15:6), como também foi o caso de Barsabas, não escolhido para integrar os "Doze" (At 1:23,26).
No entanto, é inegável a maior proximidade dos "Doze" com Jesus: tiveram pés lavados por Cristo (Jo 13:4-14), participaram do partir do pão com ele (Mt 26:20) e vivenciaram situações exclusivas como o monte da transfiguração (Mt 17:1-3), entre outros.
Já ressurreto e pouco antes de ser elevado aos céus, Cristo deu instruções aos apóstolos que havia escolhido (At 1:2), isto é, os "Onze" (sob o ponto de vista histórico), conforme vemos nos evangelhos (Mt 28:18-20; Mc 16:14-18; Jo 20:19-23; Lc 24:45-51; e somente para Pedro em Jo 21:15-17).
Todavia, diante da afirmação categórica, que Matias foi adicionado aos "Onze" (At 1:26), e que ele recebeu o Espírito Santo e testemunhou como parte dos "Doze" (At 2:14), concluímos que ele é assim coerdeiro das mesmas instruções. Nos comentários do capítulo 1 de Atos discutimos a legitimidade do apostolado de Matias.
Podemos ver que há uma evidente distinção entre Matias - eleito para integrar os "Doze" - e o cotado e não eleito Barsabas, que se reflete nos diferentes papéis e níveis de responsabilidade entre eles, quanto ao cumprimento das instruções de Jesus.
Assim concluímos que os "Doze" eram os discípulos de Jesus que se tornaram apóstolos de Cristo, dentre os demais discípulos. Extraímos a lista nominal deles (Mt 10:2-4; At 1:13,26):
• Pedro, Tiago (filho de Zebedeu), João;
• André, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago (filho de Alfeu);
• Tadeu (Judas filho de Tiago), Simão e Matias (substituiu Iscariotes em At 1:26).
Ademais todos atendiam os requisitos para fazer parte dos "Doze" (At 1:21-22):
1. Ter sido discípulo desde o batismo de João até quando Jesus foi elevado aos céus;
2. Ter sido testemunha da ressurreição de Cristo.
Como Paulo não atendia as duas condições acima ele não era apóstolo então? Qual a diferença da condição dele para os "Doze"?
Sendo o único caso do tipo nas Escrituras, Paulo viu Jesus ressurreto somente após sua ascensão (At 9:3-5) e obviamente não esteve com os "Doze" desde o batismo de João Batista. Sob o ponto de vista histórico dos evangelhos Paulo não estava entre eles.
Todavia o próprio Cristo havia predestinado Paulo, mesmo antes de nascer, para ser sua testemunha (Gl 1:15; At 9:15-16) não nos deixando dúvidas que ele havia recebido as mesmas instruções dadas aos "Doze" que os qualificavam como apóstolos.
A legitimidade do apostolado de Paulo é reforçada ainda, pelo fato dele ter iniciado seu ministério sem ter estado, ouvido ou aprendido nada com os "Doze" (Gl 1:17-22), pois o próprio Jesus revelou tudo a ele diretamente (Gl 1:11-12). Ademais as próprias Escrituras declaram textualmente que Paulo é apóstolo de Cristo (1 Co 15:7-9; Gl 1:1 e outros).
Além de Lucas em At 9, Pedro também valida o apostolado de Paulo, afirmando que suas cartas e epístolas são parte das Escrituras (2 Pe 3:16), e consequentemente parte do fundamento dos apóstolos (Ef 2:20). E de Pedro era o papel de pastorear as ovelhas de Cristo (Jo 21:15-17).
Em outras palavras, Paulo era um apóstolo, mas que havia nascido fora de tempo (1 Co 15:8-9), e que recebeu e nos transmitiu muitas doutrinas que foram reveladas por Jesus exclusivamente através dele.
Já que Paulo também é apóstolo como os "Doze" não seria ele contado entre eles também? E se sim, não teriam que ser chamados de os "Treze"? E como conciliar com Ap 21:14 que fala somente em "Doze"?
Apesar de não ser o assunto dessa publicação, de fato no livro de Apocalipse, temos que os nomes dos "Doze" apóstolos e das "Doze" tribos de Israel, aparecem estampados nas muralhas da nova Jerusalém (Ap 21; Ap 22:12,14).
De fato, se assumirmos os "Doze" de forma literal temos a dificuldade de desconsiderar o apóstolo de Matias ou Paulo, e hipoteticamente, que ou os "Onze" não tinham autoridade para elegê-lo ou que Paulo não estava na lista nominal de Mt 10.
Não devemos nos esquecer que Apocalipse é um livro que contém figuras reais (Ap 1:18: o que morreu e vive é Cristo) e figuras simbólicas (Ap 1:20: onde castiçais são as igrejas). Além disso, observem como Paulo se referenciou aos "Onze" (Matias ainda não eleito):
"Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze." (1 Co 15.3-5)
Ao chamar os onze apóstolos de "Doze", vemos que Paulo não fala do número específico de apóstolos reunidos, e sim, da instituição ou organização formada pelo conjunto dos apóstolos que estiveram com Jesus desde o batismo de João Batista.
É nesse sentido mais restrito ("Doze" sem incluir Paulo) é onde temos o correto entendimento do contexto histórico dos evangelhos, cartas e epístolas, isto é, os "Doze" referindo-se à lista consolidada de Mt 10:2-4 e At 1:13,26.
Por outro lado, as Escrituras não deixam dúvidas de que Paulo era apóstolo de Cristo tanto quanto os "Doze". Assim qualquer referência à instituição ou organização que reúne os apóstolos naturalmente inclui Paulo.
Como a Igreja está firmada nos fundamentos dos apóstolos (Ef 2:20), entendemos que Ap 21 se referente justamente a esses fundamentos, o que inclui os "Doze" e Paulo, ou seja, "Doze" no sentido mais amplo da instituição ou organização de todos os apóstolos.
Comparativamente, os levitas não faziam parte das "Doze" tribos para fins de herança da terra de Canaã, mas eram herdeiros das promessas de Deus, e nem por isso, eram chamados de "Treze" (número físico) e sim "Doze Tribos".